quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

Cientistas copiam receita da jararaca

VENENO DO BEM

Muito antes de fornecer o ingrediente fundamental para uma nova cola de pele, a imensa riqueza bioquímica do veneno da jararaca já havia dado aos pesquisadores brasileiros um importante remédio para a pressão alta. O principal responsável pelo achado foi o médico Sérgio Ferreira, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, da USP, e atual presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, a SBPC. Por isso, Ferreira chegou a ser cogitado pela Associação Brasileira de Hipertensão como um possível candidato ao Prêmio Nobel de Medicina do ano passado.
Embora não tenha chegado lá, o médico brasileiro marcou um ponto notável na Medicina contemporânea. Tanto que a comunidade médica da Noruega instituiu recentemente um prêmio que tem o nome do cientista brasileiro. O que ele fez foi isolar, em 1965, uma proteína do veneno da jararaca que, depois de muito trabalho, acabou se transformando em remédio para a pressão alta. Foram anos de investigação, numa história emocionante.
A primeira pista seguida por Ferreira vinha de uma conseqüência estranha da picada da jararaca: ela provoca uma súbita queda de pressão nas vítimas. Esse efeito, logo ficou claro, se devia a um ingrediente do veneno que desde os anos 40 era chamado de bradicinina. E levantava uma suspeita promissora: como reduzia com rapidez a força da corrente sangüínea nas artérias, parecia lógico que podia virar remédio contra a pressão alta.
Assim, Ferreira tomou como ponto de partida os estudos iniciais da bradicinina, feitos por um brilhante farmacologista, o professor Maurício Rocha e Silva, falecido em 1983, e dois outros cientistas, Beraldo e Gastão Rosenfeld. Em 1965, o pesquisador de Ribeirão Preto conseguiu dar um passo sensacional ao separar do veneno uma “molécula-prima” da bradicinina, que ampliava, e muito, o efeito dessa última substância.
Ou seja, o medicamento tão procurado parecia estar bem à mão. Na prática, porém, o remédio só chegaria às farmácias vinte anos mais tarde, com o nome comercial de captopril (no Brasil, capoten). É que a substância natural tem que ser tirada da cobra em quantidades relativamente pequenas e nem todas as jararacas do planeta conseguiriam produzir remédio bastante para satisfazer as necessidades dos pacientes. Quer dizer, o remédio até poderia ser vendido, mas por ser escasso sairia caro demais.
A saída foi dar um verdadeiro golpe na natureza, aproveitando a fórmula que ela criou, mas somente como uma espécie de molde químico. A partir daí, foi possível montar uma substância artificial que podia ser produzida em massa, por um preço acessível. Com isso, terminou o último capítulo da longa novela do captopril, além de mais duas dúzias de produtos parecidos. Ferreira não participou desse trabalho final. O mérito pela montagem da molécula sintética, em 1977, coube aos cientistas David Cushman e Miguel Ondetti, da empresa americana Squibb. Mas é claro que, sem o modelo biológico preparado pelo brasileiro, Cushman e Ondetti não teriam feito coisa nenhuma.


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