terça-feira, 17 de novembro de 2015

Aliadas do soro antiofídico

Plantas medicinais podem reduzir lesões locais causadas pela picada da jararaca



Bothrops insularis ou jararaca-ilhoa, natural da ilha de Queimada Grande, no litoral paulista
Bothrops insularis ou jararaca-ilhoa, natural dailha de Queimada Grande, no litoral paulista


Por volta de 30 mil pessoas são picadas por serpentes no Brasil a cada ano, segundo dados do Ministério da Saúde. As principais vilãs dessa lista, responsáveis por quase 80% dos casos, são as jararacas, cobras do gêneroBothrops, presentes em todas as regiões brasileiras. A recomendação médica é expressa: quem é picado deve receber o soro antiofídico com urgência. “O soro tem ação sistêmica. Consegue minimizar os distúrbios de coagulação, a insuficiência renal e evitar a morte, mas, no caso das jararacas, não combate lesões locais sérias, como feridas e necroses, que podem levar à amputação de pernas e braços”, afirma o biólogo Carlos Fernandes, do Laboratório de Biologia Molecular Estrutural (LBME) da Universidade Estadual Paulista (Unesp) em Botucatu. Buscando alternativas, ele demonstrou que plantas usadas por comunidades tradicionais e indígenas com fins medicinais são eficazes para tratar as lesões locais – os resultados mais recentes foram publicados em julho na revista PLoS One. “Esperamos que uma pomada, por exemplo, possa num futuro próximo complementar o efeito do soro.”
Antes de demonstrar a ação dessas plantas, o grupo da Unesp precisou desvendar um enigma sobre o veneno da jararaca. Nos anos  1980, estudos internacionais indicaram que, no veneno da jararaca, as proteínas fosfolipases A2, comuns no veneno de muitas serpentes, apresentam modificações em sua estrutura que potencializam seus efeitos locais.
Fernandes e colegas recorreram à cristalografia, principal técnica usada para compreender a estrutura tridimensional de proteínas, e identificaram dois aminoácidos que ocupam posições diferentes nas fosfolipases alteradas. Eles mostraram ainda que os dois tipos de fosfolipases agem de maneira distinta sobre as células musculares. Enquanto as tradicionais provocam o rompimento da célula, as modificadas inicialmente causam danos menores: elas perfuram a membrana celular e geram um desequilíbrio no fluxo de íons que leva a uma morte celular aparentemente mais lenta. Em conjunto, porém, as duas formas aceleram a formação e ampliam a extensão das feridas. “Inicialmente buscamos compreender a organização espacial dos aminoácidos e, em seguida, descrever os mecanismos de danos às membranas das células”, conta o pesquisador, que publicou as conclusões em 2013 e 2014 no periódico Biochimica et Biophysica Acta. “Eram informações necessárias para buscar um composto capaz de completar a soroterapia”, diz.
Efeito protetor
Nessa procura, o grupo da Unesp testou moléculas presentes em três espécies de plantas medicinais: o ácido aristolóquico (encontrado em uma planta da Mata Atlântica conhecida como jarrinha ou papo-de-peru), o ácido rosmarínico (da erva-baleeira, nativa da mesma mata) e o ácido cafeico (abundante nas folhas do boldo-baiano ou assa-peixe, de origem africana). Em laboratório, os pesquisadores analisaram o que ocorre com os músculos de camundongos em contato só com o veneno da jararaca e após a adição de cada um dos compostos. “Na primeira situação o músculo é danificado e perde a capacidade de contrair. Já na segunda, com qualquer dessas substâncias, ele se mantém preservado”, explica Marcos Fontes, coordenador do LBME.
O próximo passo é buscar parcerias com instituições com reconhecida competência na realização de testes com medicamentos, como o Instituto Butantan e a Fundação Oswaldo Cruz, para iniciar ensaios pré-clínicos que possam levar à fabricação de um emplastro ou uma pomada de aplicação local. Catarina Teixeira, do Laboratório de Farmacologia do Butantan, recentemente começou a investigar o efeito antiofídico de algumas substâncias de origem vegetal e considera a diversidade da flora brasileira um arsenal valioso para enfrentar esse problema de saúde pública. Em um estudo feito em seu laboratório, Mônica Kadri, da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul, confirmou que o extrato da casca de Tabebuia aurea, ipê comum no Pantanal, tem efeito anti-inflamatório e cicatrizante e pode minimizar a ação do veneno da jararaca no local da picada.
“Tentar associar o tratamento com plantas à soroterapia é uma linha de pesquisa antiga, mas precisamos de mais articulação entre pesquisadores de diferentes especialidades para torná-la realidade”, comenta Catarina. O desafio imediato dos grupos é verificar se o efeito observado in vitro se mantém in vivo. “O que desejamos”, diz Fontes, “é que um dia, ao ser picada, a pessoa possa de imediato usar uma pomada no local e buscar a aplicação do soro”.
Saiba mais
fonte
http://revistapesquisa.fapesp.br/2015/10/14/aliadas-do-soro-antiofidico/

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